SUPEREXPLORAÇÃO E BANCO DE HORAS
Fazer a análise do sistema de “banco de horas” é sempre pertinente.
Trata-se, hoje, do regime de compensação de horas de trabalho mais
usado, presente em praticamente todos os acertos coletivos (a
jurisprudência, por força da súmula 85 do Tribunal Superior do Trabalho,
aceita o regime de compensação semanal).
O que se quer com este pequeno texto é chamar a atenção para um problema que, até aqui, não foi debatido dentro da esfera jurídica: a superexploração do trabalhador sujeito ao sistema “banco de horas”. Para tanto, utilizar-se-á um texto de Mathias Seibel Luce, elaborado com base em Karl Marx.
A superexploração da força de trabalho consiste na negação dada pelo
tomador do trabalho das condições necessárias para que o trabalhador
reponha suas energias, fruto do desgaste vindo da execução de seu
trabalho. Seja porque o trabalhador passa a estar obrigado a despender
energia superior ao que deveria, normalmente, empregar quando da
execução de seu contrato, seja porque lhe é retirada a possibilidade de
consumo do estritamente necessário para a reposição destas energias.
A
consequência disso é que o trabalhador é remunerado abaixo de seu valor
real, criando um descompasso entre o valor de troca da força de trabalho
e a energia empregada (análise de LUCE, Mathias Seibel, “A
superexploração da força de trabalho no Brasil”. Em Revista Soc. Brás.
Economia Política, São Paulo, n. 32, junho/12, p. 120/121). A superexploração não é sinônimo de “mais valia” ou pauperização.
Capitalismo é sinônimo de exploração da “mais valia”. A superexploração
vai além da “mais valia”.
De outro lado, pode haver superexploração sem que haja pauperização. Exemplo disso é o caso de uma empresa que paga R$ 5.000,00 ao mês a um empregado para oito horas de trabalho. O salário não é paupérrimo, mas a situação da superexploração, aquela em que não é dada a possibilidade da recuperação de energias ou que não permite, por razões várias, a alimentação adequada, pode ocorrer.
Dito isso, passa-se o sistema de “banco de horas”. De forma simples o sistema de “banco de horas” é uma forma de compensação de horas de trabalho criada pela legislação brasileira, Lei 9.601/98, onde o trabalhador realiza horas a mais em um ou mais dias, compensando em outro ou outros, no prazo de até um ano, conforme norma coletiva. As horas a fim de que sejam compensadas não podem passar da décima diária, conforme consta do artigo 59, parágrafo segundo, da CLT.
Se na execução normal do contrato de emprego há uma desumanização enorme do trabalhador, que se confunde com as peças do capital, quando exposto ao regime de compensação de “banco de horas”, além da reprodução material do bem, da produção, ele reproduz a realidade sazonal do mercado, passando a ser inteiramente peça do mercado.
Mas
o problema não é apenas este. O sistema de “banco de horas” permite que
o empregador exija horas extras do empregado. Isso porque houve acerto
coletivo neste sentido, sem que este mesmo empregador pague por elas
(análise da página 129 da obra citada).
O trabalhador executará seu mister além do limite constitucional de oito horas diárias, sem receber um centavo em troca. Isso aumenta de forma significativa, em alguns casos em até vinte e cinco por cento, a quantidade e a intensidade de trabalho, prejudicando a reposição das forças e energias do trabalhador.
Este aumento da intensidade do ritmo de trabalho em períodos de pico prejudica a recomposição física, psíquica e familiar do trabalhador, expondo-o, ainda, a um maior risco de acidentes do trabalho. Este sistema, perverso, de superexploração da força de trabalho é plenamente aceito pela jurisprudência nacional, que se “encosta” no chamado princípio da autodeterminação coletiva consagrado pelo inciso XXVI do artigo 7º da CF/88, jurisprudência esta que faz vista grossa para o que consta do “caput” deste mesmo artigo 7º, melhoria da condição social dos trabalhadores, e para o conceito simples de interpretação sistemática da Constituição.
A interpretação deve ter por norte a ação para o entendimento e inclusão do outro. Se a lei permite a exploração do homem pelo homem, artigo 7º, I, da CF/88, esta exploração deve ocorrer na mínima potência. O que potencializa a exploração, portanto, está fora dos limites da Constituição. Isso porque consagra o principio de uma sociedade livre, justa e solidária, que tem por objetivo a prevalência dos direitos humanos.
(*) Por Rafael da Silva Marques, juiz do Trabalho do TRT4