Cartel Não é Solução — Mas União e Precificação Inteligente, Sim!
Gilmar Duarte
Você sabia que, décadas atrás, contadores se uniam para evitar a guerra de preços, chegando até a assinar promissórias como garantia? Hoje, essa prática pode ser considerada cartel — e trazemos aqui o que realmente funciona.
A linha tênue entre união e
infração
Nesta
semana, tive a satisfação de conversar com um experiente empresário contábil,
atuante desde o início da década de 1960. Em sua cidade, no interior do Paraná,
ele relatou que havia uma acirrada disputa entre os escritórios deContabilidade, todos tentando conquistar mais clientes a qualquer custo —
literalmente. A consequência foi uma guerra de preços insustentável, que
reduzia os honorários a valores impraticáveis e comprometia a qualidade dos
serviços.
Cansados
dessa deterioração do mercado, os contadores se reuniram e fundaram uma
associação — que permanece ativa até hoje. Depois de intensos debates,
decidiram firmar um acordo informal: nenhum escritório poderia tomar clientes
de outro com base exclusivamente na redução de preços. A troca de contadores
seria aceita apenas por questões de qualidade técnica. Caso a regra fosse
desrespeitada, a punição seria o pagamento de uma multa equivalente a dez
honorários — garantida por uma nota promissória em branco assinada por todos.
O empresário contou que a guerra de preços, de fato, arrefeceu. E sim, houve ao menos um caso de descumprimento da regra, que resultou no pagamento da multa. A iniciativa, ainda que eficaz na época, seria hoje interpretada de outra forma.
Hoje, isso é cartel — e é crime
De acordo
com a Lei nº 12.529/2011, conhecida como Lei de Defesa da
Concorrência, práticas como combinação de preços ou acordos para impedir a
livre concorrência são classificadas como infração à ordem econômica. O
termo técnico é cartel, e o órgão responsável por apurar e punir essas
práticas é o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
A formação de cartel, mesmo que bem-intencionada, é considerada crime e pode acarretar multas severas, restrições comerciais e, em casos extremos, responsabilização penal. Por isso, é fundamental entender que a união entre empresários contábeis deve se dar em torno do conhecimento técnico, educação empresarial e parcerias éticas, e não por meio de acordos que limitem a concorrência.
Como se unir sem infringir a lei
Felizmente,
é plenamente possível — e desejável — que os contadores se unam para fortalecer
a profissão. A chave está em:
- Aprofundar o conhecimento
sobre precificação: Saber calcular corretamente o preço de um
serviço contábil é o primeiro passo para não sair no prejuízo — nem cobrar
valores abusivos. Isso envolve conhecer os custos diretos, despesas fixas
e variáveis, tempo despendido e valor percebido pelo cliente.
- Trocar experiências sobre
gestão e operação: Em vez de combinar preços, empresários
contábeis podem trocar práticas sobre organização interna, atendimento,
produtividade e uso de ferramentas tecnológicas.
- Capacitação contínua: Promover eventos, fóruns e grupos de estudo sobre temas como precificação, marketing de serviços e legislação tributária é uma forma eficaz de elevar o padrão técnico da classe sem violar a livre concorrência.
O poder de saber “vender o seu
peixe”
Outro
ponto essencial é a capacidade de mostrar o valor do seu serviço. Não
basta apenas informar o preço ao cliente — é preciso demonstrar o que está
por trás dele: complexidade das obrigações fiscais, riscos jurídicos,
atenção às mudanças legais, Planejamento Tributário, entre outros. Valor é
aquilo que o cliente percebe e deseja levar consigo — e quanto maior essa
percepção, maior será sua disposição em pagar melhor.
Quando o
empresário contábil comunica com clareza o que entrega, o cliente passa a
compreender o preço como justo — e não apenas como um número a ser
comparado.
Além disso, apresentar diferenciais concretos, como atendimento consultivo, uso de tecnologia, relatórios gerenciais ou suporte proativo, ajuda a conquistar e fidelizar bons clientes sem recorrer à redução de preços.
União, sim. Cartel, não!
A
história narrada no início deste artigo é fascinante por mostrar como a dor
comum — a desvalorização do serviço contábil — pode levar os profissionais
a buscar soluções coletivas. No entanto, os tempos mudaram, e hoje é
imprescindível conhecer os limites legais e éticos dessa união.
A saída
não está em tabelar honorários ou criar regras restritivas, mas sim em formar parcerias
inteligentes, promover educação continuada e atuar com transparência
e técnica. Dessa forma, o contador se valoriza, o cliente percebe o valor
do serviço, e o mercado como um todo se fortalece.
Palavras chaves: cartel, precificação, honorários contábeis, guerra de preços, contador, ética profissional, união entre contadores, valorização dos serviços contábeis, livre concorrência, preço justo.
Gilmar Duarte é palestrante, contador, diretor do Grupo Dygran e autor de livros de precificação para o setor de serviços e comércio. 06/04/2025.