EMENTA:

VÍNCULO DE EMPREGO. ESTAGIÁRIO. É empregado aquele que presta serviço essencial e subordinado, apesar de formalmente contratado como estagiário, uma vez descumpridas as regras legais que regulam o contrato de estágio.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, sendo recorrente AMANDA MEDEIROS E AKZO NOBEL LTDA. e recorrido OS MESMOS.

Recorrem ordinariamente ambas as partes.

A reclamante busca a reforma da sentença no que respeita ao salário mensal admitido na sentença. Assevera ter informado, na inicial, o valor R$ 1.056,00, sendo que os recibos de pagamento estão a comprovar tal valor.

A reclamada, por sua vez, inicialmente suscita a nulidade do julgado diante da ausência de manifestação nos embargos declaratórios opostos sobre determinados tópicos. O douto julgador de primeiro grau teria deixado de se manifestar sobre o pedido de nulidade fundado no indeferimento do pedido de oitiva de testemunha, o que configurou flagrante omissão no seu entender. A decisão recorrida ainda padeceria do vício de omissão quanto ao enquadramento sindical e a natureza indenizatória do adicional de periculosidade. Ainda em razão do indeferimento da prova oral, alega cerceamento de defesa e suscita a nulidade do feito. Argúi a incompetência da Justiça do Trabalho para quanto ao pedido do seguro-desemprego. Não se conforma com a concessão da assistência judiciária gratuita à autora. Insurge-se contra a sentença que declarou o vínculo de emprego entre as partes a refutar o argumento de que a autora, como estagiária, não teve o necessário acompanhamento e avaliação do estágio. Reitera os termos da contestação no sentido de que todas as atividades desenvolvidas pela autora sempre foram aquelas previstas nos ajustes firmados e estavam relacionadas ao seu aprendizado no curso de Administração. Reporta-se aos relatórios de estágio. Diante do recebimento de bolsa-auxílio pela reclamada, afirma ser indevida a concessão de gratificação natalina e sustenta ter havido gozo parcial de férias. Sustenta indevida a multa do art. 477 da CLT porque controvertido o vínculo no caso concreto. Em relação às horas extras deferidas, afirma não ter a autora as comprovado devidamente, não sendo suficiente a prova oral nesse sentido porque contraditória. Pretende, de qualquer forma, que seja imposto o limite da 8ª diária ou 44ª semanal e que sejam observados somente os adicionais legais porque as convenções coletivas juntadas não lhes seriam aplicáveis. Busca eximir-se da condenação ao adicional de periculosidade ao argumento de que o laudo não é conclusivo na medida em que o local de trabalho encontra-se alterado em razão da mudança da sede da empresa. Defende a necessidade de análise de tempo de exposição ao risco e reporta-se ao laudo do seu assistente técnico. Enfatiza que os produtos eram guardados em embalagens e sustenta que tais materiais estavam a 10 metros de distância de onde o autor trabalhava e, ainda, que apenas eventualmente a autora adentrava em tal área; defende, ao final, a natureza indenizatória ou compensatória do adicional. Ainda como objeto do recurso, a condenação ao pagamento de indenização referente ao seguro-desemprego.

São oferecidas contra-razões por ambas as partes.

É o relatório.

ISTO POSTO:

I - PRELIMINARMENTE.

Assistência Judiciária Gratuita. Ausência de Objeto.
A reclamada não se conforma com a concessão da assistência judiciária gratuita à autora.

A insurgência, em verdade, não tem objeto.

Foi alcançado à autora somente o benefício da justiça gratuita a fim de isentá-la de eventual responsabilidade pelas custas. Além de o benefício ter pleno amparo face à declaração de pobreza trazida na inicial, não há interesse da reclamada para a insurgência.

Não se conhece do recurso da reclamada quanto à assistência judiciária gratuita.


II - DO MÉRITO.

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA (Exame prejudicial)

Nulidade. Ausência de Manifestação. Omissão. Cerceamento de defesa.
A reclamada, inicialmente, suscita a nulidade do julgado diante da ausência de manifestação nos embargos declaratórios opostos sobre determinados tópicos. O douto julgador de primeiro grau teria deixado de se manifestar sobre o pedido de nulidade fundado no indeferimento do pedido de oitiva de testemunha, o que configurou flagrante omissão. A decisão recorrida ainda padeceria do vício de omissão quanto ao enquadramento sindical e a natureza indenizatória do adicional de periculosidade. Ainda em razão do indeferimento da prova oral, alega cerceamento de defesa e suscita a nulidade do feito.

Ao contrário do que sustenta a recorrente, não houve as omissões apontadas na sentença que julgou os embargos de declaração. O douto juiz prolator reportou-se expressamente aos motivos que o levaram ao indeferimento da prova oral pretendida, qual seja, a determinação anterior de que as partes deveriam trazer suas testemunhas "sob pena de perda da prova" como constou na ata da audiência inicial (fl.109).

Da mesma forma, referiu claramente seu entendimento acerca do enquadramento sindical da demandada e da natureza remuneratória do adicional de periculosidade, de modo que as questões foram devidamente enfrentadas pelo juízo de origem.

Ainda a respeito do cerceamento de defesa face ao indeferimento de prova oral através da expedição de Carta Precatória, não há que cogitar de nulidade. Foi garantida a ampla defesa e o contraditório a ora recorrente, tendo ela acatado a determinação anterior de que deveria conduzir sua própria testemunha.

Nega-se, pois provimento ao recurso, no aspecto em comento.

2. Incompetência da Justiça do Trabalho. Impossibilidade Jurídica do Pedido. Seguro Desemprego.

A reclamada argúi a incompetência da Justiça do Trabalho quanto ao pedido do seguro-desemprego.

A argüição não prospera.

Comunga-se sem ressalva do entendimento já lançado a quo. Tem pertinência o entendimento jurisprudencial dominante expresso na Súmula-389/TST.

Nega-se provimento.

03. Vínculo de emprego.

A reclamada se insurge contra a sentença que declarou o vínculo de emprego entre as partes a refutar o argumento de que a autora, como estagiária, não teve o necessário acompanhamento e avaliação do estágio. Reitera os termos da contestação no sentido de que todas as atividades desenvolvidas pela autora sempre foram aquelas previstas nos ajustes firmados e estavam relacionadas ao seu aprendizado no curso de Administração. Reporta-se aos relatórios de estágio. Diante do recebimento de bolsa-auxílio, afirma ser indevida a concessão de gratificação natalina e sustenta ter havido gozo parcial de férias.

A discussão nos autos diz respeito a eventual fraude à legislação trabalhista diante da alegação da inicial de que a o vínculo mantido com a reclamada sob o aspecto formal de estágio configurou, em verdade, relação de emprego.

Os documentos juntados às fls. 10/12 e 144/150 estariam, em princípio, a indicar uma relação formal de estágio regular. Conforme o Termo de Compromisso de Estágio, a reclamante se obrigou a uma carga horária semanal de 40 horas, com horário das 08h às 12h e das 13h às 17h, tendo sido designadas as seguintes atividades dentro do conteúdo básico da profissão: fornecer informações a clientes, estabelecer contato com empresas, analisar relatórios diversos, redigir documentos diversos, organizar documentos, prontuários e/ou registros diversos. O acordo de cooperação e termo de compromisso teve a interveniência do CIEE.

Entretanto, já chama a atenção o fato de que o alegado estágio foi renovado duas vezes, tendo a relação perdurado de 21 de agosto de 2001 a 30.06.2004, quase três anos.

Ademais, nada nos autos comprova que os relatórios de estágio (fls. 160/168) tenham sido realmente encaminhados à instituição de ensino e a prova oral também indica não haver acompanhamento real por partes dessa dos serviços realizados pela reclamante enquanto estagiária. Ambas as testemunhas ouvidas foram uniformes ao declararem não haver acompanhamento nem supervisão do estágio da reclamante. A reclamante realizava, em verdade, os mesmos serviços que as outras empregadas que serviram de testemunha (fls. 262/263). No mesmo sentido, não há nos autos qualquer prova da existência de planejamento e/ou avaliação por parte da entidade de ensino, tampouco de informações prestadas pela empresa à escola quanto ao desempenho da autora como estagiária, existindo apenas os relatórios elaborados pela própria reclamante já mencionados.

Nesse contexto, entende-se por não preenchidos os requisitos constantes do artigo 1º da Lei 6494/77.

A considerar-se que a prestação de trabalho pela reclamante em benefício da reclamada não se deu regularmente dentro dos parâmetros do contrato de estágio, emerge com clareza relação jurídica de emprego. Inegável a presença dos elementos constitutivos da pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação.

O eventual recebimento de valores a título de bolsa-auxílio não é compensável ou dedutível dos valores que são objeto da condenação. Trata-se de parcelas estritamente de natureza trabalhista, com ênfase para parcelas rescisórias, horas extras e adicional de periculosidade; é incontroverso o não recebimento destas verbas. Mesmo a eventual ocorrência de férias coletivas não prejudica a condenação em férias porque não se tem notícia de que tenham sido concedidas regularmente remuneradas com acréscimo de 1/3.

Nega-se provimento ao recurso.

04. Multa do art. 477 da CLT.

A reclamada sustenta indevida a multa do art. 477 da CLT porque controvertido o vínculo no caso concreto.

Sem razão.

A sentença que reconhece o vínculo de emprego entre as partes tem conteúdo meramente declaratório e não constitutivo, motivo pelo qual, incontroverso o não pagamento das verbas rescisórias dentro do prazo legal, incide na espécie a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT.

Nega-se provimento.

05. Horas extras.

Em relação às horas extras deferidas, a recorrente afirma não ter a autora as comprovado devidamente, não sendo suficiente a prova oral nesse sentido porque contraditória. Pretende, que qualquer forma, que seja imposto o limite da 8ª diária ou 44ª semanal e que sejam observados somente os adicionais legais porque as convenções coletivas juntadas não lhes seriam aplicáveis.

Sem razão.

Ao contrário do que afirma a recorrente a prova oral é suficiente para endossar a versão da inicial de que autora laborava das 7h30min às 12h e das 13h às 17h20min. O horário alegado pela testemunha Kacyla (fls. 262/262) é similar (das 7h45min às 17h30min/17h45min, com uma hora de intervalo) e o informado pela testemunha Ivan é o mesmo. Note-se que esse era o parâmetro habitual de horário de trabalho na reclamada, visto que a sua própria testemunha fornece informação semelhante (das 07h às 12h e das 13h às 17h15min). No contexto da prova é absolutamente razoável considerar que a reclamante logrou êxito em comprovar seu direito às horas extras. O mesmo ocorre em relação aos sábados e domingos trabalhados. É incontroverso ter sido a recorrida contratada para uma carga horária semanal de 40 horas, inexistindo amparo para adoção do limite máximo disposto em lei.

No que respeita ao adicional aplicável, endossa-se o entendimento constante na sentença, expressamente esclarecido na decisão de embargos de declaração (fl. 289). A categoria profissional representada é a das Indústrias Químicas no Estado do Rio Grande do Sul. A ora recorrente tem como objeto social (fl.114) "a Indústria e comércio, a importação e exportação e quaisquer outras atividades relacionadas com a produção de todas e quaisquer substâncias químicas ou produtos da química, fina ou não.." Ratifica-se, portanto, a observância do adicional normativo. Ao contrário do que afirma a recorrente, as convenções coletivas juntadas a partir da fl. 65 contêm previsão de adicional específico para as horas extras e têm vigência desde novembro de 2000, sendo aplicáveis, portanto ao contrato da autora.

Nega-se provimento.

06. Adicional de Periculosidade.

A reclamada busca eximir-se da condenação ao adicional de periculosidade ao argumento de que o laudo não é conclusivo na medida em que o local de trabalho se encontra alterado em razão da mudança da sede da empresa. Defende a necessidade de análise de tempo de exposição ao risco e reporta-se ao laudo do seu assistente técnico. Enfatiza que os produtos eram guardados em embalagens e sustenta que tais materiais estavam a 10 metros de distância de onde a autora trabalhava e, ainda, que apenas eventualmente a autora adentrava em tal área; defende, ao final, a natureza indenizatória ou compensatória do adicional.

Sem razão.

De acordo com o laudo técnico das fls. 221/226, a autora, ao executar seu trabalho como auxiliar administrativo/assistente de vendas, adentrava em depósito de inflamáveis. Informou o perito que o escritório da reclamada estava localizado dentro do pavilhão onde se situava o depósito, portanto, dentro da área de risco, bem como que havia armazenado 40.000 litros de tintas e 8000 litros de solventes. As fotos da fl. 240 deixam claro como era o estabelecimento da demandada - um pavilhão com dois andares e escritórios nele inseridos. O fato de tal estabelecimento já ter sido desativado não prejudica a conclusão pericial porque baseada em fatos reais confirmados pela prova oral. A testemunha Kacyla, já mencionada, esclareceu "...além das tintas ainda havia tonéis com solventes e thinner, o que ficava acerca de quatro metros do local de trabalho da depoente e da reclamante; que as tintas ficavam dispostas em lotes, sendo que estes ficavam a quatro metros do local de trabalho do depoente e da reclamante, referindo que cada lote possuía de 20 a 50 latas de 20 litros...". Inegavelmente demonstrada a área de risco assim como o ingresso (o próprio trabalho) da autora não local em razão da sua rotina de serviço. Por outro lado, não resta demonstrado que os produtos inflamáveis estivessem armazenados em pequenos frascos ou embalagens pequenas destinadas ao consumo que pudessem relativizar a configuração do risco. Quanto à natureza indenizatória ou compensatória do adicional, a tese já não encontra mais guarida, devendo ser endossada a observação lançada na sentença no sentido de que a jurisprudência pacífica não mais permite tal ilação. No mesmo sentido, não se cogita de medição do tempo de exposição ao risco face à possibilidade de sinistro a qualquer momento da jornada.

Nega-se provimento ao recurso.

07. Indenização referente ao seguro-desemprego.

No que diz respeito ao seguro-desemprego, é obrigação do empregador o fornecimento das guias próprias ao encaminhamento do benefício, cabendo ao órgão governamental competente a verificação quanto ao preenchimento dos requisitos necessários à sua percepção.

Assim, sendo possível a percepção do benefício, mesmo após o prazo estabelecido na lei, havendo decisão judicial que determine a entrega das guias respectivas, dá-se provimento parcial ao recurso, para comutar a condenação ao pagamento da indenização equivalente ao seguro-desemprego em entrega das respectivas guias ou o pagamento da indenização equivalente, acaso frustrada a percepção do benefício por culpa do empregador.

RECURSO DA RECLAMANTE.

1. Remuneração fixada na sentença.

A reclamante busca a reforma da sentença no que respeita ao salário mensal admitido na sentença. Assevera ter informado, na inicial, o valor R$ 1.056,00, sendo que os recibos de pagamento estão a comprovar tal valor.

Com razão.

Efetivamente, compulsando-se os autos, pode-se constatar que o valor alcançado à autora a título de bolsa-auxílio nos dois últimos meses trabalhados (recibos à fl. 15) foi mesmo de R$ 1.056,00. Não obstante, diante da manifesta prova de pagamento mês a mês como se constata pelos recibos das fls. 15/41, entende-se que devem ser observados os valores efetivamente praticados durante o período trabalhado. Deve ser observado, contudo, o limite já fixado em sentença, de R$ 910,00 a fim de que não seja reformada a sentença em desfavor da recorrente.

Dá-se provimento parcial ao recurso do reclamante para determinar que sejam admitidos os valores constantes nos recibos salariais como salário percebido pela reclamante, observado o limite mínimo de R$ 910,00 já fixado na sentença.

Ante o exposto,

ACORDAM os Juízes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade, não conhecer do recurso da reclamada quanto à assistência judiciária gratuita. No mérito, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da reclamada, para comutar a condenação ao pagamento da indenização equivalente ao seguro-desemprego em entrega das respectivas guias ou o pagamento da indenização equivalente, acaso frustrada a percepção do benefício por culpa do empregador. Por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso do reclamante para determinar que sejam admitidos os valores constantes nos recibos salariais como salário percebido pela reclamante, observado o limite mínimo de R$ 910,00 já fixado na sentença. Valor da condenação inalterado para os fins legais.

Intimem-se.

Porto Alegre, 13 de dezembro de 2006 (quarta-feira).

BEATRIZ RENCK - Juíza Relatora



PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

ACÓRDÃO

00181-2005-401-04-00-4 RO Fl.

Firmado por assinatura digital em 13/12/2006 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2200-2/01, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.


Guia Trabalhista | CLTRotinas Trabalhistas | CIPA | Doméstico | PPPAuditoria Trabalhista | Acidentes de Trabalho | Prevenção Riscos TrabalhistasPlanejamento de CarreiraTerceirização | RPSModelos de Contratos | Gestão de RHRecrutamento e Seleção | Segurança e Saúde | Cálculos Trabalhistas | Boletim Trabalhista | Eventos | PublicaçõesRevenda | Condomínios | ContabilidadeTributação | Normas Legais