TST garante
direito de ação a trabalhador estrangeiro
Notícias do Tribunal Superior do Trabalho
25/09/2006
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em importante
precedente, assegurou a um empregado estrangeiro (paraguaio), em situação
empregatícia irregular no Brasil, o direito de acionar a Justiça do Trabalho.
Baseada em minucioso voto do ministro Horácio Senna Pires (relator), a decisão
deferiu recurso de revista com base em princípios estabelecidos na Constituição
e dispositivo do Protocolo de Cooperação do Mercosul, que prevê o tratamento
igualitário entre os nascidos nos países que firmaram o pacto (Argentina,
Brasil, Paraguai e Uruguai), nos respectivos territórios.
“Os cidadãos e os residentes permanentes de um dos Estados Partes gozarão, nas
mesmas condições dos cidadãos e residentes permanentes do outro Estado Parte, do
livre acesso à jurisdição desse Estado para a defesa de seus direitos e
interesses”, estabelece o artigo 3º do Protocolo de Cooperação e Assistência
Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa do
Mercosul, assinado em 1992 e já incorporado ao sistema jurídico brasileiro.
A decisão do TST reforma acórdão firmado pelo Tribunal Regional do Trabalho da
24ª Região (Mato Grosso do Sul), que havia declarado a nulidade de uma relação
de emprego de mais de 17 anos entre um eletricista paraguaio e a Comercial
Eletromotores Radar Ltda. O posicionamento impediu o exame do direito do
estrangeiro às verbas trabalhistas que afirmou não ter recebido ao longo de sua
prestação de serviços.
Segundo o TRT-MS, o contrato seria nulo uma vez que o trabalhador, na condição
de “paraguaio fronteiriço”, não possuía documento especial de estrangeiro,
previsto no artigo 21, parágrafo 1º, da Lei nº 6.815 de 1980. O dispositivo
prevê o fornecimento de documento especial de identificação ao natural de País
fronteiriço que exerça atividade remunerada no Brasil. Já o artigo 359 da CLT
afirma que “nenhuma empresa poderá admitir a seu serviço empregado estrangeiro
sem que este exiba a carteira de identidade de estrangeiro devidamente anotada”.
A conjugação dos dois dispositivos levou o TRT-MS a considerar nulo o contrato
de trabalho. “Deve ser declarada a nulidade do contrato, sem que se possa falar
em violação de quaisquer dispositivos legais ou constitucionais”, registrou.
O entendimento foi considerado equivocado pelo TST durante o exame do recurso do
trabalhador. Horácio Pires destacou, em sua análise, a prevalência dos
princípios da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor e idade e o princípio da isonomia conferido a brasileiros e
estrangeiros residentes no Brasil.
“Feitas essas considerações, e tendo-se em vista que seria absolutamente
inconcebível que um contrato de trabalho envolvendo trabalhador brasileiro
pudesse vir a ser judicialmente declarado nulo por causa da mera inexistência de
um documento de identidade, é inequívoca a conclusão de que assiste razão ao
trabalhador”, afirmou.
Em relação à norma do Mercosul, Horácio Pires também ressaltou que o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal tem sido historicamente favorável ao
reconhecimento da validade dessas normas e sua inserção no sistema jurídico
nacional. O relator citou um precedente de 1957 em que o STF firmou a
inviabilidade de dispensa de um trabalhador italiano sem o pagamento da
respectiva indenização, mesmo em tempo de guerra entre o Brasil e a Itália.
Nesse caso, o ministro do TST frisou que o contrato não foi declarado nulo.
“Se assim foi em situação tão especial como, por irregularidade formal, a
contramão de todos os princípios que regem o Direito do Trabalho, pode-se falar
em nulidade da contratação de estrangeiro fronteiriço, que por longo período
prestou serviço em território brasileiro, ao abrigo, aliás, de tratado
multilateral permissivo do livre trânsito de trabalhadores?”, indagou o relator
ao abordar o processo examinado pelo TST.
Horácio Pires considerou, ainda, que a manutenção da decisão regional resultaria
em uma dupla injustiça. “Primeiro, com os trabalhadores estrangeiros em situação
irregular no País que, não obstante tenham colocado sua força de trabalho à
disposição do empregador, ver-se-ão privados da devida remuneração em razão de
informalidade de cuja ciência prévia o empregador estava obrigado pelo artigo
359 da CLT”.
“Segundo, com os próprios trabalhadores brasileiros, que poderiam vir a ser
preteridos pela mão-de-obra de estrangeiros irregulares em razão do custo menor
desses últimos, como tragicamente vê-se acontecer nas economias de países do
Hemisfério Norte”, acrescentou o relator.
O caso examinado pelo TST teve origem em agosto de 1999, com a proposição de
reclamação trabalhista na Vara do Trabalho de Ponta Porã (MS). O autor da ação,
um eletricista paraguaio, requereu o pagamento das verbas decorrentes de uma
relação de emprego correspondentes aos serviços prestados à Comercial
Eletromotores Radar Ltda., onde trabalhou entre junho de 1982 e junho de 1999,
quando foi dispensado.
O trabalhador alegou que não houve pagamento das verbas rescisórias, como o
aviso prévio, férias vencidas e os respectivos adicionais, valores do 13º
salário dos últimos cinco anos do contrato, recolhimento do FGTS acrescido da
multa de 40%.
Todas as reivindicações, contudo, sequer foram examinadas diante da declaração
de nulidade do contrato de trabalho, inicialmente pela Vara do Trabalho de Ponta
Porã e, posteriormente, pelo TRT-MS. Com a decisão do TST, contudo, a suposta
nulidade foi afastada, e os autos retornarão à primeira instância, a fim de
examinar se o trabalhador tem ou não direito às verbas requeridas na ação. (RR
750094/2001.2)
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