Novo “pente fino” da Previdência Social
Alexandre S. Triches - 11.01.2019
Com o início do Governo
Bolsonaro, a imprensa noticia que um novo pente fino nos benefícios da
Previdência Social ocorrerá nas próximas semanas. As novas regras serão
editadas por meio de Medida Provisória e sucedem projeto anterior que promoveu ampla
revisão nos benefícios por incapacidade.
A expectativa da imprensa
é bastante verossímil considerando que a equipe do novo Presidente já anunciou
que a redução de gastos no setor previdenciário é a prioridade para este ano.
Por isso é importante que todos os beneficiários do INSS estejam atentos, pois
podem ser convocados para demonstrar a regularidade de seu benefício.
A revisão da regularidade dos benefícios
previdenciários não deveria gerar maiores alardes. Isto porque é natural e
moral que os gastos públicos sejam auditados constantemente, bem como é sabido
por todos que existem muitas fraudes na Previdência Social. Acontece que,
historicamente, todas as medidas de pente fino na Previdência vêm acompanhadas
de falhas que prejudicam muitas pessoas, considerando que o contingente abrangido
pelas revisões é expressivo e a estrutura do INSS é precária.
Por isso, o mais importante é compreender que existem
regras a serem observadas pelo órgão previdenciário na análise dos casos, e que
uma das primeiras é que ninguém pode ter seu benefício cancelado sem prévia
notificação do interessado, bem como com a garantia de prazo para apresentar
defesa ou comparecer ao INSS.
Notificar o interessado é convocá-lo formalmente para comparecimento
junto ao INSS, garantindo-lhe prazo para defesa. Este direito não está previsto
apenas em lei; está consagrado também na Constituição Federal. Dessa forma,
deve ser sempre observado pelo poder público o direito ao devido processo legal.
Do contrário, práticas arbitrárias, como convocações por meio de agência
bancária, suspensão do benefício até comparecimento na agência do INSS, dentre
outras hipóteses, via de regra serão ilegais.
Um segundo aspecto relevante sobre o pente fino é que o
segurado esteja com o seu endereço atualizado junto ao INSS. Para que o dever
de notificação se concretize, é necessário que o endereço atual do beneficiário
esteja cadastrado na Previdência. Considerando que muitos aposentados e
pensionistas trocam de endereço e não comunicam ao INSS, o risco da convocação
ser expedida - mas não chegar ao destinatário - é grande e, nesses casos, a lei
é clara: a convocação devolvida por mudança de endereço não informada ao INSS é
considerada convocação realizada. Ou seja, a responsabilidade quanto a
regularidade do endereço constante nos cadastros do INSS corre por conta do
aposentado e do pensionista.
Um terceiro aspecto importante
sobre o provável pente fino é que benefícios cuja análise guarde maior
subjetividade terão uma análise mais criteriosa por parte da equipe que
revisará as concessões. O que seriam benefícios com maior subjetividade na
análise? Aqueles que, apesar de haver um critério objetivo quanto ao direito previsto
na lei, demandará a produção de provas, por meio de documentos, análise técnica
ou testemunhais. A avaliação quanto a verossimilhança do direito invocado ficará
por conta do servidor.
Assim, por exemplo, é o caso dos benefícios rurais, que demandam
a apresentação de provas documentais, as quais, necessariamente, precisam convencer
um servidor quanto a sua verossimilhança para, então, haver a autorização da
oitiva de testemunhas que, após ocorrida, será objeto de homologação por parte
do agente público. O grau de discricionariedade desta análise é elevado: assim
como as provas convenceram o servidor à época da concessão, podem, agora,
apresentar efeito em sentido contrário.
Também é o caso das aposentadorias
especiais, as quais demandam a análise de critérios de nocividade e permanência
dos agentes químicos, físicos e biológicos, ou associação destes, utilização de
equipamentos de proteção individual e coletiva, critérios de mensuração e
dosimetria. Aqui deve se estar atento aos critérios utilizados na análise da
revisão, principalmente considerando a evolução da disciplina da matéria na lei
e na jurisprudência: não poderá haver aplicação retroativa de regra prejudicial
ao segurado, tampouco entendimentos afastados pelo Poder Judiciário no momento
da concessão. Qualquer medida nesse sentido deve ser invalidade em razão do
princípio de que o tempo rege o ato, bem como do respeito aquilo que foi decidido
em eventual processo judicial.
Ainda, é o caso das pensões por
morte. Não aquelas concedidas para esposas e esposos, com certidão de casamento
apresentada, logicamente. Ou, então, filhos até 21 anos, mas, sim, naquelas
hipóteses de união estável, dependência econômica dos pais com relação aos
filhos ou, também, filhos maiores de 21 anos e inválidos. Vislumbra-se em todos
esses casos alto nível de subjetividade nas análises, muitas vezes realizadas
por perícias médicas e oitiva de testemunhas, o que deixam um campo em aberto e
muito expressivo para reavaliações.
Considerando a notícia de que a Medida
Provisória deve prever um bônus de R$ 57,50 para agentes do INSS que descubram
irregularidades em pensões e aposentadorias e que o foco é alcançar uma
economia de até R$ 9,3 bilhões em um ano, estas reavaliações podem estar
maculadas com irregularidades, considerando que o peso econômico da medida
prepondera à análise social.
Sabe-se que já é
extremamente difícil para as equipes técnicas da procuradoria federal, bem como
de monitoramento operacional de benefícios do INSS localizar fraudes, mesmo com
todo o suporte e aparato tecnológico e de pessoal que possuem, imagine-se, então,
para um servidor, técnico ou analista, do Seguro Social, acostumado a trabalhar
unicamente em agências? Haverá escopo ou condições para efetuar rastreamento
e operacionalizar revisões de fraudes em
benefícios previdenciários? Se a resposta for negativa e houver, mesmo assim, o
constrangimento governamental nesse sentido, certamente haverá notícia de
cancelamentos indevidos de benefícios e, nesses casos, prestações que carreguem
maior subjetividade serão as mais atingidas.
Por fim, nunca é demais referir que benefícios concedidos
irregularmente terão a intencionalidade analisada. No caso de dolo na
irregularidade, a prática poderá gerar reflexos criminais. No caso de culpa, ou
seja, naquelas hipóteses em que o beneficiário não tinha ciência da falha ou
foi induzido em erro, não sofrerá reflexos penais. Todavia, a devolução de
valores em ambos os casos é devida.
Alexandre S. Triches
Especialista em Direito Previdenciário e
professor
OAB/RS nº 65.635